Sempre
me disseram que grandes tristezas geram grandes escritos. Que sentimentos
profundos uma vez feridos, tornam-se palavras afloradas, aventuradas,
amarguradas. Já não sei se esses dizeres
são mais válidos, já não sei se acredito em palavras. As únicas palavras que me
dissera antes de partir fora – vai logo, segue sem mim. Não há como acreditar, pois dentre os mais
obscuros sentimentos que habitam dentro de mim não há restígio algum de amargura
nas palavras. Talvez a mágoa habite o gosto de minha boca, o cheiro de minha
camisa, o reflexo do meu espelho. Camisa que era dela e, desde então, não a
consigo retirar do meu corpo. Reflexo opaco, sem cor alguma, vivência morta
diante de um espelho que além do cinza de meu reflexo, recordava os corações e
beijos do grande amor que me deixara. Amor e grande que só pudera dizer – vai
logo, segue sem mim.
Todos
os dias repetiam-se a vivência morta. Quase superada. Acordo. Não olho para o
lado da cama, vazia. Faço café, ponho as frutas nos potes, os cereais nas
tigelas, corto os pães. Sirvo duas xícaras e levo a cama. Não olho para o lado.
Tomo meu café. Levanto, limpo a louça. Logo como uma doce lembrança: sinto-a me
abraçando, como eram quase todas as manhãs. Em que após o nosso café, sentia me
abraçando e beijando meu pescoço. Quando não era o café, era o almoço. Ou pelo
menos era em minha imaginação. Seguia eu, em frente, tentando esquecer doces
lembranças. Porém mesmo assim eu não deixava de por duas xícaras no café, dois
pratos no almoço e ter dois pacotes de pipoca no cinema; por mais que a xícara
continuasse cheia, o prato vazio e o pacote de pipoca intocável. Isso, ainda
que minha razão não desejasse, fazia dela presente em minha vida como se, no
fundo, meu coração não a quisesse esquecer.
Realmente
não queria. Continuava a fazer as mesmas perguntas bobas no almoço, por mais
que não houvesse resposta. Quando ia escovar meus dentes, enchia a boca de
espuma e pulava pela porta, como fazíamos antes, então ela ria, eu sorria e ela
me xingava, mas logo vinha-me aos abraços e beijos, logo enchia a boca de pasta
de dente e fazia o mesmo comigo. Depois disso olhávamos o relógio, por mais que
já estivéssemos diante do atraso, deitávamos em minha cama, que já era dela, e
simplesmente não precisávamos falar nada. Apenas olhar ao fundo dos olhos e
sentir. Esse era o momento, da nossa rotina, o mais bonito e intenso. Não havia
palavras, não precisava delas. Apenas os sentires, era como se o coração
gritasse – deixa ser. E deixávamos. Continuo a deitar em minha cama depois de
escovar os dentes, apesar de que um dos lados de minha cama estivesse vazia.
Depois
de todo o sentimento sem resposta eu me obrigava a levantar da cama, mesmo com
o gosto magoado em minha boca, saía para qualquer lugar como obrigação. Tentava
esquecer os doces momentos. Mas até mesmo quando ia ao supermercado, passava
pelos corredores e lembrava a vez em que ela pegou minha mão entre as
prateleiras de cereais; a vez que, na fila do pão, levantou-se nas pontas dos
pés, tocou meus ombros e se aproximou de meus ouvidos a sussurrar um – te amo –
baixinho; a vez em que discutimos pelo melhor chocolate e até quando escolhemos
nosso sorvete favorito. Ainda continuo comprando sorvete Napolitano, por mais
que o gosto de mágoa não saísse de minha boca.
Todas as vezes que saia pra beber,
sua voz metálica ficava em minha cabeça, das vezes que ela dizia – se cuida e
não beba. É, nem beber eu conseguia mais. Mas me obrigava sem o querer. Depois
chegava em casa, com a mesma expressão de tristeza de sempre, olhava o reflexo
cinza em meu espelho que carregava o coração daquela que me deixara. Coração
que estava a derreter. Então, eu derretia junto, como se fosse um ritual. Caia
as lágrimas afogadas em meu travesseiro como todas as noites, sem olhar para o
lado. Um sincretismo de amor, saudade e solidão. Acordava e fazia tudo de novo,
sem conseguir olhar para o lado da cama vazia. Lado da cama que era dela e
agora não tem dono. E nem terá.
Nem
terá, pois seja quantos copos de vodca eu consiga beber, quantas tequilas eu
consiga virar, quantas mulheres eu consiga beijar e quantas mulheres se
apaixonem por mim. Nenhuma dormirá em minha cama como um dia ela dormiu,
nenhuma acordara ao meu lado substituindo o vazio que ela me deixara, nenhuma
tomará o café da xícara que era dela, comerá suas frutas, escovará os dentes e
rirá comigo, deitará em meu colo e dirá que me ama na fila do pão. Nenhuma terá
todo amor que guardo e que um dia foi dela. Sempre será. A única coisa que
consigo pensar é o gritante – deixa ser – que há dentro de mim. Espero pelo dia
que ela volte e grite - deixa ser - e tudo deixe de ser só lembrança e
imaginação.
Pensei
até que o tempo pudesse levar tudo, todos os sentimentos e mágoas guardadas.
Ele não levou. Nem levará. Sinto-me como no mesmo dia que as palavras da boca
dela saltaram aos meus olhos como um – vai logo, segue sem mim. Eu segui e
continuo seguindo, não precisei de ninguém para me firmar disso. Por mais que
eu continuasse sempre a botar dois pratos na mesa, por mais que um continuasse
vazio. Eu segui e sigo. Só não sei se valeu e valerá à pena. Já não se sabe
mais o quanto uma palavra tem valor, mas sei que momentos que tive e, que não
era preciso qualquer palavra que seja, sempre valeu e valerá muito mais.
Simplesmente penso – deixa ser. Deixo ser.
sábado, 22 de janeiro de 2011, 20:31:07