domingo, 24 de agosto de 2008

Olvidaram As Flores do Mal

Minha cabeça e minhas sentenças sempre foram belos enfeites para velhas bandejas. Sim. Sem. Algumas pessoas têm dito que não saio de casa, outras, porém que não paro em casa. Anteontem fui até a cidade onde vivi durante quatorze anos. Caminhei uns dois quarteirões perto de minha antiga casa. Percebi que as pessoas já não me reconheciam. Já não me cumprimentavam mais. Não puxavam uma cadeira para a varanda nem me chamavam para conversar. Não me paravam. Não acenavam. Não sorriam. Nem se quer olhavam direito. E quando olhavam, pairava um ar de desconfiança, um ar de recordação mal guardada, uma lembrança fosca, onde os olhos entreabertos, pensativos, com esperanças de um recordar. Mas o fim era sempre o mesmo, não recordavam. Acontece que eu recordava. Eu sempre recordo. Das ultimas palavras. Da ultima cor. Do ultimo lugar. E aquele lugar era o mesmo. As pessoas eram as mesmas. Apesar das rugas a mais. Não penso que tenha passado muito tempo. Não penso que tenha deixado uma vida inteira para trás. Não penso que tenha esquecido de todos aqueles. Não penso que minha face tenha mudado tanto. Não penso. Não. Nesse mesmo dia, fui até a casa de Dona Aimeè. Seria impossível que ela não se lembrasse de mim. Foi ela quem me apresentou a Baudelaire, aos dez anos. Mesmo não entendendo os seus enigmas e as suas palavras. Eu amava tudo o que ela me dizia. “-Dona Aimeè! Sou eu! A Ana! Sua pequenina!”. Ela não falou uma palavra. Ficou muda. Fechou a porta na minha cara e foi olhar pela cortina se eu ainda estava alí. Senti-me como uma estranha no meu próprio bairro. Não sei se foi o tempo que os fez esquecer-me, ou se fui eu que esqueci de avisa-los que ainda amo aquele lugar tanto quanto os amo. O tempo não volta. Fazer tudo de novo não adiantaria. As flores de Baudelaire morreram. Agora é tarde.

3 comentários:

Marina Finco disse...

o tempo é uma mera desculpa para os nossos esquecimentos e mudanças de opinião.


fazia 'tempo' que não passava por aqui, 'me perdoe' ;}

Anônimo disse...

Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!

Athena disse...

O tempo não volta, nós não voltamos. Não os mesmos. Como se dentro de nós vários renascessem e morressem com o passar dos dias.

Anna, tou escrevendo de novo... Não vou voltar pro Lirismo Polaroid, tou em outro end, queria te passar. Vou buscar seu e-mail aqui pra enviar a url.

Beijo.